Neurociências na educação

Nas últimas três décadas estamos discutindo vários aspectos relacionados com o cérebro e seu funcionamento, estes assuntos estão na pauta do pensamento dos homens desde os primórdios de nossa existência, mas neste momento de nossa civilização temos disponíveis ferramentas de pesquisas eficazes que vieram facilitar a compreensão sobre a mente e o cérebro.

Atualmente, entramos em contato com inúmeras pesquisas sobre os processos de aprendizagem, de pensamento, de memorização, etc. As consequências destas pesquisas parecem óbvias, mas ainda dependem do conhecimento e da sistematização destes novos estudos científicos para que possamos delinear uma nova teoria da aprendizagem baseada nestes conhecimentos.

Esta nova teoria pode oferecer abordagens diferentes em relação a avaliação, currículo, ensino, aprendizagem e estratégias a serem utilizadas em sala de aula, pode também resgatar algumas estratégias encontradas nas escolas atuais, quem sabe remodelando, quem sabe explicando o porquê de seu sucesso no aprendizado dos alunos. As pesquisas multidisciplinares trazem inúmeras contribuições de outras áreas para a prática pedagógica, antes deste movimento iniciado ha  algumas décadas os educadores nem levavam em conta as pesquisas, pois elas pareciam desvinculadas da realidade da sala de aula e não traziam contribuição a nossa prática, hoje percebemos que os pesquisadores se preocupam em aplicar suas teorias e observar a influência desta aplicação, com um trabalho mais próximo ao professor, a sua prática e a sala de aula e aos alunos.

Tomemos como exemplo o foco do ensino que era o aprendizado da leitura, escrita e das operações matemáticas, mas com o advento destas pesquisas este foco continua sendo a aquisição destas habilidades, visando agora “a compreensão do significado, da importância e da aplicação do que foi estudado”1, mostrando perspectivas diferentes como a leitura crítica, a literacia, a resolução de problemas, a capacidade de expressão clara das idéias, etc. Compreender não é só conhecer ou adquirir a habilidade, é a “capacidade de pensar e agir de maneira flexível”1 com seu conhecimento e habilidade, usando-o de maneira inovadora e isto agora parece óbvio para todos os educadores.

As Neurociências também nos forneceram provas de que a aprendizagem modifica a estrutura física do cérebro e também, por consequência sua organização funcional, o que para nós educadores é uma prova de como o conhecimento pode influenciar na vida de um indíviduo e na maneira como ele vai tomar sua decisões, interagir com seu ambiente e compreender a realidade que o cerca.

Os ambientes educacionais não devem ter mais como objetivo a seleção de talentos, mas sim o desenvolvimento destes talentos. Assim podemos aproveitar as habilidades e competências de cada aluno, desenvolvendo-as e não classificando-o em classes homogêneas e afetando a autoestima dos que são avaliados como menos capazes. Para que este desenvolvimento de talentos aconteça os alunos ainda precisam da memória e do entendimento, do conteúdo em si, do conhecimento sobre o assunto, que é de fundamental importância, mas precisam ir além e tornar este conhecimento utilizável, usando o que foi aprendido para solucionar novos problemas e não só saber o conteúdo de forma desconexa. Quando o professor entra na sala de aula com seus planos, seu conteúdo, sua lição, ele tem como objetivo o entendimento, a recordação e principalmente quer que aquilo seja útil na vida de seus alunos.

As Neurociências tem iniciado uma mudança de pensamento acerca da prática e da teoria da aprendizagem, estão iniciando um entendimento mais amplo sobre a memória, o sono, a estrutura do conhecimento, o raciocínio, a resolução de problemas, a metacognição, o pensamento simbólico, a modelação computacional, etc. Este conjunto de assuntos relativos a cognição e a aprendizagem estão começando a contribuir para avanços nos procedimentos e metodologias de pesquisa, além de modificar as concepções teóricas existentes sobre os alunos, a aprendizagem, o professor e o ensino.

Algumas pesquisas já foram incorporadas a prática pedagógica, hoje não podemos mais ignorar, por exemplo, o conhecimento preexistente de nossos alunos. Nem sempre este conhecimento da realidade é correto e devemos conhecer a forma de entendimento do mundo que este aluno traz para sala de aula para poder modificá-lo ou contribuir para seu desenvolvimento, mas sabemos que todos os alunos podem trazer conhecimentos prévios e contribuir para a aula. Estes conhecimentos prévios sempre formam a base para a construção de um novo conhecimento, por vezes eles devem ser integrados a novos conceitos e informações e por vezes, devem ser corrigidos: “nas Ciências, os estudantes muitas vezes possuem concepções incorretas acerca das propriedades físicas, que não podem ser facilmente observadas. Nas Ciências Humanas, suas idéias preconcebidas frequentemente incluem estereótipos ou simplificações, como por exemplo, entender História como uma luta entre mocinhos e bandidos.”2 O ensino deve portanto, proporcionar oportunidades para que o aluno elabore ou conteste sua  visão inicial sobre o assunto.

Bom, sabemos então que, para o desenvolvimento de nossos alunos eles devem ter uma base sólida de conhecimento, entender fatos e idéias relacionados a este conhecimento e organizar este conhecimento, selecionando e lembrando de informações relevantes, para aplicá-lo e recuperá-lo quando isto se fizer necessário.

As pesquisas recentes trazem consequências imediatas para a prática dos professores, tais como: a compreensão e o trabalho com o conteúdo preexistente, o ensino em profundidade, “fornecendo exemplos em que o mesmo conceito está em ação e proporcionando uma base sólida de conhecimento factual”3 e o ensino de habilidades metacognitivas integradas no currículo. Isso exigirá que: alguns modelos sejam substituídos; o papel da avaliação seja expandido, revelando o entendimento; a quantidade de tópicos trabalhados seja reavaliada para que os principais conceitos de cada disciplina sejam entendidos; os professores desenvolvam ferramentas pedagógicas eficientes, desenvolvendo não só a competência na matéria a ser dada, mas a competência no ensino e também, exigindo que os professores possam enfatizar o processo de metacognição, integrando a instrução metacognitiva com a aprendizagem baseada na disciplina, desenvolvendo estratégias metacognitivas e a aprendizagem dessas estratégias em sala de aula.

Talvez as questões levantadas sobre qual a estratégia “correta” a ser utilizada em sala de aula, desviem os professores de sua grande meta que deveria ser: como meu aluno aprende. Não existe nenhuma prática de ensino que possa ser considerada a melhor. Usar só ferramentas eletrônicas não surtirá o efeito desejado depois das primeiras aulas, o professor deve servir-se de uma gama enorme de estratégias de ensino e selecioná-las, por assunto, série e pelo resultado que ele queira alcançar. Estas possibilidades farão com que cada professor elabore um programa adequado ao seu aluno e não “um caos de alternativas concorrentes”3.

O professor não precisa escolher uma coisa ou outra, pode utilizar todas as estratégias de acordo com sua classe e seu objetivos, pode mesclar aulas expositivas, com exercícios práticos, com projetos e com a utilização de ferramentas eletrônicas. Não é mais necessário optar por uma estratégia como sendo a única que sutirá efeito, como também não é preciso escolher entre o ensinar a pensar e resolver problemas e o ensino de conteúdo. “Na realidade, a capacidade dos estudantes de adquirir conjuntos organizados de fatos e habilidades aumenta quando estes estão relacionados a atividades significativas de solução de problemas e quando os alunos são ajudados a entender por que, quando e como esses fatos e essas habilidades são relevantes. Além disso, as tentativas de ensinar habilidades de raciocínio sem uma base sólida de conhecimento factual não favorecem a capacidade de resolver problemas, nem sustentam a transferência para novas situações.”4

Pesquisas recentes também versam sobre como projetar ambientes de sala de aula e observam quatro princípios fundamentais a serem cultivados nestes ambientes:

  1. As salas de aula e escolas devem ser centradas no aluno, por exemplo levando em conta as teorias dos estudantes a respeito do que significa ser inteligente e sabendo que isto pode afetar seu desempenho.
  2. Deve-se prestar atenção ao que é ensinado, por que é ensinado e como se revela a competência ou habilidade no que foi ensinado. “A competência envolve o conhecimento bem organizado que sustenta a compreensão, e  aprender entendendo é importante para o desenvolvimento da competência, pois facilita a nova aprendizagem (isto é, apóia a transferência).”1
  3. Saber que a avaliação é essencial, principalmente a formativa, que permite que o professor compreenda o conhecimento prévio do aluno, perceba como levar o aluno do raciocínio informal para o formal e planeje a instrução de acordo com seu objetivo.
  4. Não negligenciar o fato de que existem diversas oportunidades de aprendizagem em cenários diferentes da escola e montar uma parceria com os pais e a comunidade que cerca o aluno. Desde o nosso nascimento o cérebro recolhe informações e aprende com seu meio ambiente, atualmente usando tecnologias modernas os pesquisadores podem exibir as diferenças no metabolismo celular do cérebro que ocorrem em resposta aos diferentes tipos de trabalho cerebral.

Jean Piaget disse  Se nós apenas soubéssemos o que está acontecendo na mente de um bebê enquanto o observamos em ação, nós, certamente, entenderíamos tudo o que há sobre psicologia” e é o que começamos a fazer hoje com a tomografia funcional e outros tipos de tecnologias.

Os  neurocientistas estão convencidos que a base do aprendizado é fortalecer as novas conexões, estabilizando-as, e criando assim novas associações, para que isto aconteça temos que conhecer não só como o cérebro aprende, mas também a influência do sono sobre o aprendizado, a plasticidade cerebral, o trabalho dos neurônios-espelho, a maturação do córtex, a poda neuronal, as células gliais e suas funções, o uso do humor, as emoções, a imaginação, a memória, a atenção, a repetição e tantos outros aspectos relacionados ao cérebro e a aprendizagem.

Bibliografia

  1. Bransford, John D., Brown, Ann L. E Cocking, Rodney R..Como as pessoas aprendem:cérebro,mente,experiência e escola. São Paulo:Editora Senac.2007
  2. OECD (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos. Tradução: Rocha, Eliana. Compreendendo o Cérebro – Rumo a uma Nova Ciência da Aprendizagem. São Paulo: Editora Senac. 2003.
  3. Jensen, Eric. O cérebro, a bioquímica e as aprendizagens. Porto: Edições ASA. 2002.
  4. Erlauder, Laura. Práticas pedagógicas compatíveis com o cérebro. Porto: Edições ASA. 2005.
  5. Wolfe, Patricia. A importância do Cérebro. Porto: Porto Editora. 2003.
  6. Damásio, António. O erro de Descartes. São Paulo: Companhia das Letras. 1996.
  7. Damásio, António. O Mistério da Consciência. São Paulo: Companhia das Letras. 2000.
  8. Del Nero, Henrique Schützer. O Sítio da Mente. São Paulo: Collegium Cognitio. 1997.
  9. Izquierdo, Ivan. Memória. Porto Alegre:Artmed. 2002.
  10. Izquierdo, Ivan. Questões sobre memória. São Leopoldo: Editora Unisinos. 2003.
  11. Lent, Roberto.Cem bilhões de Neurônios.São Paulo: Editora Atheneu. 2004.
  12. McCrone, John. Como o cérebro funciona. São Paulo: Publifolha. 2002.
  13. Blakemore, Sarah-Jayne; Frith, Uta . Cómo aprende el cérebro. Las claves para la educación. Barcelona: Editora Ariel. 2007.
  14. Lieury, Alain. A memória do cérebro à escola. Lisboa: Biblioteca Basica de Ciencia e Cultura. Instituto Piaget. 1993
  15. Gardner, Howard. Cinco mentes para o futuro. Porto Alegre: Artmed. 2007.
  16. Sousa, David A.. Cómo aprende el cérebro:una guia para El maestro en la clase.Thousand Oaks: Corwin Press,Inc. 2002.
  17. Wiske, Martha S. Ensino para a compreensão.A pesquisa na prática. Porto Alegre: Artmed. 2007.

Autoria: Kátia A. Kühn Chedid

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